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quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

TEMA -->A FELICIDADE NÃO É DESTE MUNDO


Sérgio Biagi Gregório
1. INTRODUÇÃO
O objetivo deste estudo é verificar por que Allan Kardec, em O Evangelho Segundo o Espiritismo, diz que a felicidade não é deste mundo. O que se entende por felicidade? Se a felicidade não é deste mundo, devemos esperar o desencarne para usufruí-la? Não é possível desfrutá-la já? Como proceder para buscar a paz de espírito? Eis algumas das muitas questões que poderíamos formular sobre o tema.
2. CONCEITO
Felicidade – do latim felicitas que vem de Felix, ditoso, afortunado, feliz. Num sentido amplo é a ausência de todo o mal, e, vivência plena do bem. Em geral, um estado de satisfação devido à própria situação do mundo. Por essa relação com a situação, a noção de felicidade difere da de beatitude a qual é o ideal de uma satisfação independente da relação do homem com o mundo e por isso limitada à esfera contemplativa ou religiosa. O conceito de felicidade é humano e mundano. (Abbagnano, 1970)
Mundo – o Planeta Terra
(...) Cada mundo é um vasto anfiteatro composto de inúmeras arquibancadas, ocupadas por outras tantas séries de seres mais ou menos perfeitos. E, por sua vez, cada mundo não é mais do que uma arquibancada desse anfiteatro imenso, infinito, que se chama Universo. Nesses mundos, nascem, vivem, morrem seres que, pela sua relativa perfeição, correspondem à estância mais ou menos feliz que lhes é destinada. (Equipe da FEB, 1995)
3. A FELICIDADE NO TEMPO
Para Sócrates o "conhece-te a ti mesmo" é a chave para a conquista da felicidade. Para Platão a noção de felicidade é relativa à situação do homem no mundo, e aos deveres que aqui lhe cabem. Para Aristóteles a felicidade é mais acessível ao sábio que mais facilmente basta a si mesmo, mas é aquilo que, na realidade, devem tender todos os homens da cidade.
No âmbito do Velho Testamento, a felicidade centra-se na aquisição dos bens mais elementares como comer, beber e viver em família e no temor a Iahweh, que eqüivale à atitude religiosa do homem. Na dimensão do Novo Testamento, a felicidade está nas bem-aventuranças prometidas por Jesus.
Plotino (204-270) afirma que a felicidade do sábio não pode ser destruída nem pelas circunstâncias adversas nem pelas favoráveis. Santo Agostinho (354-430) entende a felicidade como o fim da sabedoria, a posse do verdadeiro absoluto, isto é, de Deus. Tomás de Aquino (1225-1274), na Suma Teológica, utilizou a palavra "beatitude" como equivalente à "felicidade" e a definiu como "um bem perfeito de natureza intelectual". Kant (1724-1804) julga que a felicidade faz parte do bem supremo o qual é para o homem a síntese de virtude e felicidade. Bentham (1748-1832) e Stuart Mill ( 1773-1836) retomaram como fundamento de moral a fórmula de Beccaria: "A maior felicidade possível, no maior número de pessoas". (Abbagnano, 1970)
Este escorço histórico culmina com a nossa época atual em que os valores legítimos da verdadeira felicidade estão ameaçados pelo consumismo e globalização do mundo econômico. A globalização traz a padronização em termos mundiais, nem sempre factível com os hábitos culturais de determinados países. O consumismo faz com que o homem tenha necessidades imaginárias que mais atrapalham do que o auxiliam a realizar-se plenamente.
4. PROBLEMA DA FELICIDADE
4.1. BEM PROCURADO POR TODOS OS VIVENTES
A ausência de todo o mal e fruição de todo o bem é a aspiração que todo ser humano procura através de seus esforços e trabalhos. Ela é o pólo oculto que magnetiza o dinamismo humano. Toda ação humana, mesmo os gestos mais simples, são atravessados por esse magnetismo. Se este cessasse, o homem perderia o sentido de viver e seria prostrado pelo tédio. Assim, todo o homem tem na vida momentos de felicidade e gostaria que esses momentos nunca mais acabassem.
4.2. OS CAMINHOS PROCURADOS
Todos buscam a felicidade, porém por caminhos diferentes. Uns imaginam encontrá-la na posse das riquezas, porque supõem que com o dinheiro tudo se compra e que a felicidade é uma mercadoria como tantas outras. Outros procuram encontrá-la nos prazeres sexuais, nas diversões, nos passeios. Outros ainda na glutonaria. Há também os que anseiam pelo prestígio, enovelando-se nas lutas pelo poder. Observe que os Estatolatras (comunistas, socialistas, fascistas), colocam a felicidade na classe ou no Estado, ou na prosperidade econômica. Karl Marx, filósofo materialista, afirma que a felicidade do ser humano está presa aos proventos materiais advindos do trabalho. Confunde o termo felicidade com o bem-estar. O bem-estar é a posse de bens materiais, que dão mais conforto; a felicidade é mais ampla, porque envolve a realização do ser espiritual.
4.3. PARADOXO DA FELICIDADE
O fato mais confirmado pela experiência e pela sabedoria humana é este: a felicidade, no seu sentido pleno, é inatingível na Terra. O corriqueiro é que o ser humano, depois de muito lutar para conseguir um bem que almejava, já não está tão vigoroso para desfrutá-lo. Além disso, há que se considerar a decorrência do tempo na modificação de nossos ideais. Aí está o paradoxo: ela é sempre desejada e nunca realizável. No âmago deste paradoxo há algo positivo, ou seja, o começo de uma reflexão sobre o destino transcendental , meta-histórico do homem. É a partir daí que o homem começa a pensar numa vida futura, num mundo cheio de bem-aventuranças, de beatitudes. (Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo)
5. SITUAÇÃO DO PLANETA TERRA
5.1. MUNDO DE PROVAS E EXPIAÇÕES
Os amigos espirituais informam-nos de que o nosso planeta não é um dos orbes mais evoluídos do Universo. Ele já esteve mais atrasado, pois já ultrapassou o estado primitivo. Na atualidade, estamos vivendo num mundo de provas e expiações em que o mal ainda predomina sobre o bem. Nesse sentido, por mais que busquemos a felicidade, nunca a encontraremos, pois ela não é deste mundo. Ela pertence a um mundo mais evoluído em que as ações voltadas para a fraternidade universal são a regra. De qualquer forma, devemos fazer esforços para evoluir, a fim de atingir a condição de habitar mundos melhores. Por enquanto, somos obrigados a conviver com toda a sorte de dificuldades.
5.2. O NECESSÁRIO E O SUPÉRFLUO
Como distinguir entre o necessário e o supérfluo? Não é tarefa fácil. Imagine alguém que tenha vivido, por longos anos, com uma renda monetária alta. Nessa condição, ele aprendeu a conviver com uma série de hábitos de consumo, que para ele se tornou imprescindível. Suponhamos agora que, por obra do destino, os ganhos desse indivíduo tenham diminuído drasticamente: ele se sentirá o mais desgraçado dos mortais, embora tenha o necessário para viver. Quer dizer, acabamos confundindo o necessário, aquilo que dá sustentação à nossa vida, com os aspectos psicológicos de nossa existência. Nesse mister, os grandes mestres da humanidade ensinam-nos que o homem cósmico terá sempre o que necessita, mas nem sempre o que deseja. Faltando-nos o supérfluo, lembremo-nos da frase consoladora do evangelho: "Tendo sustento e com o que nos cobrirmos, estejamos com isso contentes".
5.3. TANTO O RICO QUANTO O POBRE SOFREM
Como vimos anteriormente, o nosso planeta identifica-se com a categoria de mundo de provas e expiações. Assim, não há criatura na Terra que não tenha o seu quinhão de sofrimento. Deduz-se daí que tanto o rico como os pobres sofrem. Mas, o Espiritismo, doutrina que esclarece sobre a reencarnação e a pluralidade das existências, pode oferecer-nos valiosos subsídios para a compreensão da vida e dos seus diversos relacionamentos. Por que o pobre inveja o rico? Sabe ele que a prova da riqueza é mais difícil, para o Espírito, do que prova da pobreza? Se tivesse consciência dessa verdade, com certeza seria mais resignado.
6. DESPOJAR-SE DO HOMEM VELHO
6.1. SOFREREMOS PERSEGUIÇÕES E SARCASMOS
Quando o aprendiz do evangelho realmente persevera na sua trajetória rumo à verticalidade superior, começa a observar uma série de problemas que antes não vislumbrava: a solidão dentro e fora de si, o desprezo dos entes queridos e a incompreensão alheia. Para abrandar este estado de espírito, convém nos lembrarmos dos sofrimentos de Paulo, principalmente depois de ter aderido, no caminho de Damasco, ao chamamento de Cristo. De perseguidor passa a ser perseguido. Os seus familiares e amigos voltam-lhe as costas dizendo que ficara louco. É obrigado a se ausentar, recolhendo-se ao tear por 3 anos. Posteriormente, para tornar público o ensinamento do Evangelho, viu-se cercado por uma série de contratempos, que não havia previsto. Mesmo assim continuou na sua tarefa redentora. Baseado nesse exemplo, devemos ter coragem de expressar nossa fé, porque retroceder no meio do caminho é perder todas as vantagens já conquistadas. Jesus disse: "Todo aquele que me confessar e me reconhecer diante dos homens, eu o reconhecerei e confessarei também, eu mesmo, diante de meu Pai que está nos céus; e todo aquele que me renegar diante dos homens, eu o renegarei também, eu mesmo, diante do meu Pai que está nos céus". (Mateus, X, 32 e 33). Quer dizer, há sempre fraqueza em recuar diante das conseqüências da opinião e em renegá-la, mas há casos de uma covardia tão grande quanto a de fugir no momento do combate.
6.2. FELICIDADE E INFELICIDADE RELATIVAS
Na condição de Espírito encarnado, deveríamos nos considerar como um usufrutuário de todos os bens dispostos por Deus, inclusive o nosso próprio corpo, pois, embora seja fruto da união do nosso pai e da nossa mãe terrestre, a essência que nele habita pertence ao Criador do Universo. Raciocinando dessa forma, o egoísmo deveria ser banido do nosso planeta, a fim de ceder o seu espaço à fraternidade.
Pergunta-se: será que podemos ser felizes ao lado de irmãos que não têm o necessário para o sustento físico? E por que esses são a maioria? É justamente devido à condição de nosso Planeta. Nesse sentido, nunca poderemos ter uma felicidade plena, a menos que não importemos com o nosso irmão menos aquinhoado. Quem pensa no irmão em dificuldade, dificilmente sentir-se-á feliz. É por isso que o justo é infeliz, pois lutando por uma distribuição mais justa tanto das riquezas materiais como espirituais, será sempre mal compreendido, além de ser desprezado, como o próprio Jesus e outros tantos missionários o foram.
Quais seriam, entretanto, as fontes de infelicidade? Perda de entes queridos, mortes prematuras, antipatias, ingratidão e doenças várias. Dentre elas, a ingratidão assume papel significante. Como, porém, enfrentar essa situação? Lembrando-nos de que a ingratidão é filha do egoísmo e o egoísta encontrará mais tarde corações insensíveis como ele próprio o foi. Além do mais, a ingratidão é uma prova para persistência na prática do bem. Convém ter para com eles muita tolerância e paciência, assim como o Pai Celestial teve e está tendo para conosco.
6.3. A BOA CONSCIÊNCIA PREPARA UMA VIDA FUTURA FELIZ
"O que dá mais valor ao homem é um juízo sereno e uma firme capacidade de trabalho". Juízo sereno é sinônimo de pureza de consciência. Tendo esta em plenitude, não importa onde estivermos, estaremos sempre usufruindo a felicidade relativa de que somos merecedores. Os amigos espirituais não nos cansam de ensinar que a nossa felicidade será do tamanho da felicidade que proporcionarmos ao nosso próximo. Esforcemo-nos, então, para distribuir bom ânimo aos nossos companheiros de jornada. Esta é uma boa fórmula para prepararmos um desencarne tranqüilo e, conseqüentemente, uma vida futura feliz.
7. CONCLUSÃO
A máxima do Eclesiastes, "A felicidade não é deste mundo", pode ser entendida de duas maneiras: 1) que há outros mundos mais evoluídos do que o Planeta Terra, onde a felicidade é mais plena; 2) que a felicidade não estando no mundo material, pode ser encontrada no mundo interior, como conseqüência do dever retamente cumprido.
8. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo, Mestre Jou, 1970.ÁVILA, F. B. de S.J. Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo. Rio de Janeiro: M.E.C., 1967.IDÍGORAS, J. L., Padre, S. j. Vocabulário Teológico para a América Latina. São Paulo, Edições Paulinas, 1983. KARDEC, A. O Evangelho Segundo o Espiritismo. 39. ed. São Paulo: IDE, 1984.KARDEC, A. O Livro dos Espíritos. 8. ed. São Paulo: Feesp, 1995.
São Paulo, outubro de 1996.

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