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terça-feira, 27 de outubro de 2009

-->A tal felicidade de Dona Quinha


O POVO continua a campanha que deseja (re)construir o abrigo de crianças e adultos contando a história de Dona Quinha

A vida tem mesmo um enredo fabuloso. Quando era criança, em Juazeiro do Norte, dona Quinha passou fome. Teve muito amanhecer de ver a mãe, Maria-lavadeira, sair para trabalhar se valendo apenas da rapadura, da farinha e do cachimbo. Dona Quinha, por seu turno, ``botava água de ganho nas casas. Recebia uns 10 tonhos (tostões)``. Numa carreira, alcançava a cacimba e, lata d-água na cabeça, escapava dia a dia. ``Tinha de nove pra dez anos. Sempre fui muito disposta``. Ajudava a mãe, botando a roupa no quarador, passava a vassoura na casa da madrinha, juntava outros trocados, comprava uma boneca de pano. Das lembranças da infância, a fome é recorrente. ``Se eu fosse pro colégio, não comia, que não tinha merenda. E eu, botando água, o pessoal me dava uma bananinha...``. Hoje, dona Quinha alimenta 13 meninos e meninas, abrigados na Casa de Apoio Sol Nascente.

O POVO dá continuidade à campanha que deseja (re)construir o abrigo de crianças e adultos soropositivos, devastado pelas chuvas do início do ano, mostrando com quantas mãos se faz a Casa. Francisca Gomes da Silva Muniz, 56, a sempre disposta e sorridente dona Quinha, é cozinheira do lugar há cinco anos. Veio da fábrica de confecção, quando já tinha experimentado a pobreza, o amor e a saudade. Bateu na porta certa.

Aos 12 anos, ela pulou a janela de Juazeiro do Norte. ``Eu era doida pra andar, tinha vontade de conhecer o mundo``. Foi, então, até Recife, ``trabalhar em casa de família``, servir de companhia a uma conhecida que havia casado e migrado para lá. Escapou, uma vez mais. ``Aí, quando já tava de barriga cheia, já tinha matado a fome, quis vir embora``. É que a alma padecia. ``Começou a dar saudade``.

De volta a Juazeiro, dona Quinha se casou aos 22 anos. E como houvesse experimentado o amor, decidiu ser mãe. ``Apareceu o Júlio. Ele tava na casa de umas enfermeiras, iam dar``. Além de seu primeiro exercício de doação, o casamento lhe mostrou que dona Quinha poderia recomeçar quantas vezes quisesse. ``Depois que meu marido morreu, fui perdendo a graça de ficar em Juazeiro``. Mudou-se para Fortaleza, em 1989, com a lição de vida que a mãe lavadeira lhe ensinou. ``Ela falava: -Você só faça o bem-. E eu cresci pensando nisso-``.
Assim, bateu à porta da Casa de Apoio Sol Nascente, na unidade que acolhe os adultos portadores do vírus HIV. Não sabia nada sobre a aids. ``Pensava que pegava só no vento``. A Casa do Sol Nascente lhe foi mais um aprendizado de vida. ``Passou um pedaço, pronto, eu não tinha mais medo de nada. Abraçava cada um``. De modo que, hoje, é no regaço de dona Quinha que um dos menorzinhos da Casa das crianças encontra canto no mundo. ``Ele foi o primeiro bebezim que chegou aqui, e a gente se apegou demais``. O menino, hoje com dois anos, é parte grande do sorriso de dona Quinha. ``Aquela gracinha dele se sentar, já mudou a passada, as primeiras palavras. Ele me chama de vó``.

Todos os dias, a propósito, a cozinheira experimenta essa tal felicidade. É simples. ``Já sei o gosto de tudim``. E porque já experimentou a fome, alimenta o outro. ``Hoje (sexta-feira passada), fiz um baião. Vou deixar o frango cortado pra fazer frito, amanhã (ontem), e um creme de galinha pro domingo. Eu procuro agradar porque é tão ruim a gente comer aquilo que não gosta, né?``. E porque já experimentou a saudade, não quer ir embora da Casa, planeja voltar voluntária. ``Não posso ajudar com dinheiro, mas posso ajudar com o sabor``. A seu modo, dona Quinha ameniza as amarguras da aids. ``Quando eles não querem comer, às vezes, eu tenho uma surpresa: um doce``.

COMO AJUDAR

EM DINHEIRO
>Conta Corrente nº 49.000-8 - Agência 3646-3 - Banco do Brasil.

CIMENTO
Condomínio Espiritual Uirapuru (CEU) - avenida Alberto Craveiro - nº 2222 - Castelão - Fortaleza - Ceará.
> A Casa do Sol Nascente necessita todos os meses de fraldas descartáveis geriátricas e infantis, luvas de procedimentos, lençóis, gêneros alimentícios (arroz, feijão, macarrão, carne), além de cadeiras de roda e cadeiras de banho.
>Voluntários para trabalhar com os adultos assistidos pela entidade.

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