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segunda-feira, 30 de agosto de 2010

“Nosso Lar’ não é dogmático”, diz Wagner de Assis

Governador de NOSSO LAR

Wagner de Assis e o editor do blog
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O cineasta Wagner de Assis, realizador de Nosso Lar, em passagem por Fortaleza, nos concedeu entrevista exclusiva. O filme estréia na próxima sexta feira, com 400 cópias, recorde para uma produção nacional. Confira, na íntegra.

P – Como surgiu a idéia de filmar Nosso Lar, quanto tempo levou até a concretização do filme?

W – O Projeto começou em 2005 quando eu encontrei o Renato Prieto e ele me levou à Federação Espírita Brasileira e propomos a adaptação do livro para o cinema. Era uma vontade que eu tinha. Isso não foi um “estalo”, não foi um “insight”, nem um “grande momento”. Eu já conheço do livro desde os anos 80. Tinha-o lido, relido e estudado. Eu tinha acabado de lançar A Cartomante e tinha sido contratado para escrever e fazer dois filmes: um sobre a vida do Marechal Rondon e o outro sobre a Anita Garibaldi. Mas eu queria descobrir um projeto pessoal, pois você mergulha nele. Foi quando voltei a minha antiga idéia de filmar Nosso Lar, cuja idéia em tinha despertado na década de 90, mas que era inexeqüível à época. E então, levei o sonho, o projeto e durante dez meses conversamos com a Federação Espírita. E eu propus aos dirigentes duas coisas muito claras: fazer um filme à altura do livro e de sua história dando a ambos o devido tratamento de respeito. Conforme a resposta positiva, a gente passou trabalhar, imediatamente e por mim teria filmado logo, no ano seguinte. Mas a coisa foi indo, os financiamentos se acertando, as dificuldades sendo superadas. E agora, em 2010, nos deparamos com toda uma série de acontecimentos: o filme sobre Bezerra de Meneses, o centenário do Chico Xavier e um filme sobre a vida dele. Ou seja, não sabíamos de nada do que ocorria em paralelo.

P – Não é preciso ser religioso para fazer um filme sobre o espiritismo. Mas, você não é espírita?
P - Olha, eu digo a minha filosofia de vida passa pelo espiritismo sim. E sou cristão, fiz escola católica, batizado, mas me criei e desenvolvi intelectualmente através dos livros da filosofia espírita. Assim como fui procurar no budismo, no hinduísmo, no estudo da cabala, no estudo da antropologia na questão das religiões, gosto de ver como tudo se conecta quando se está descobrindo as verdades, tudo se faz a partir de uma mesma coisa e a minha percepção é que tudo vai se unir num mesmo princípio. Por isso, eu te digo que eu sou espírita, cristão, vírgula, ecumênico. É a forma que tenho de simplificar aquilo no qual acredito.

P - Como se deu o trabalho de adaptação, o tratamento do roteiro?

W – Para começar a escrever o roteiro, conversei com mais de cem leitores do livro. Anotei suas as sugestões e conselhos, fiz o primeiro tratamento, fui à Fox para garantir a distribuição, em 2006, ela topou e até me deu um pré contrato. Aí fomos aos investidores. As pessoas foram se juntando ao projeto, gente de várias religiões, o que foi muito interessante. Começamos a pré-produção em novembro de 2008, e, finalmente, mais dois anos depois, o finalizamos. O que era um barquinho virou um transatlântico…

P - Custou quanto esse transatlântico?

W – Pouco mais de 20milhões de reais, só a produção do filme. Não inclui essa correria da divulgação que estamos fazendo.

P – E os investidores, quem são eles: pessoas ou empresas?

W – Pessoas e empresas. São cinco investidores diferentes. Entre as pessoas, duas são espíritas e um nem tinha ouvido falar em Chico Xavier. Mas são pessoas que acreditaram no potencial cinematográfico de uma história consagrada, e isso é muito legal. O Banco BRJ acabou criando um fundo de cinema para a produção do gênero.

P – Este é o tipo de filme que depende dos efeitos especiais. Você o filmou em cima de um story board?

W – Sim. Fiz mais de 200 páginas de story board convencional e mais de meia hora de story board digital. Era um processo muito grande de visualização. O filme dependia disso, da exposição dos lugares onde se passava, para que as pessoas compreendessem o que era e onde se situava essa cidade. Porque na verdade, o filme não é só a história da cidade, mas a de um homem, sobre a condição humana, sobre a transformação de um homem, podia se passar em Marte, em Avatar ou numa periferia, mas é sobre a condição humana. Só que essa história apresenta um paradigma maravilhoso, que é a vida depois da vida. Como um homem se depara com esse paradigma. E quais os resultados disso, que são você descobrir quem é de verdade, enfrentar a si mesmo. Eu digo que o maior vilão de André Luiz é ele mesmo. Isso tudo num cenário diferente, espiritual, um lugar para onde se vai após a morte.

P – Uma das virtudes do filme é a diversidade de seus elementos dramáticos.

W – É. As escolhas dramáticas são muito difíceis, não são fáceis. Escolher como, quem, o que, porque, por isso foi bacana ter conversado com os leitores, porque livro é livro, filme é filme, são coisas diferentes.

P – Você quebra a linearidade do livro introduzindo um início em “flashback”, e o utiliza, digamos, ao longo da primeira parte do filme quando o personagem vai percebendo as coisas, mas lá, na segunda, você inverte, faz um “flashback” dele para relembrar-lhe do umbral.

W – Eu faço o contrário, exatamente. Eu tentei dar uma narrativa que clássica e, ao mesmo tempo, não tem nada de inovador, mas que fosse em detrimento de contar melhor a história. Então, para entender o que aquele cara está fazendo naquela zona umbralina, porque ele está sofrendo tanto, eu precisava montar um quebra-cabeça para contar quem é esse cara. E correndo sérios riscos de ser maniqueísta, ou simplista. E nem queria ser pragmático para falar de um cara que era suicida inconsciente, porque não queria nada disso no filme.

P – Nas pré-estréias, quais têm sido as reações do público?


W – Estou muito feliz com as reações. 99% das pessoas se emocionam, e entre delas, algumas muito abertas. Por exemplo, quem leu o livro desaba mesmo, se identifica, se empolga, gosta das licenças que foram feitas, como Emanuel, presente na história. Outra parte fica muito intrigada, questionadora. Tem outra que diz ter tomado um soco no estômago, que está saindo impactado com tudo aquilo. E outra parte, mínima, um por cento, reage virulentamente contra o filme. Assim, comecei a entender a força dessa história junto às pessoas. Porque elas não vêm o filme como um filme, como ele é, mas como um simbolismo da realidade, porque o filme traz uma carga espiritual que é presença de Chico Xavier e seu trabalho mediúnico. Eu sabia que isso existia, mas não como chegaria ao público. É sempre uma coisa nova que acontece com o filme na tela, nê? E é incrível ver a raiva certas pessoas que têm do filme enquanto tema.

P – E a reação da crítica?
W – Não vou me assustar se o filme tiver algumas críticas muito pesadas em relação a aquilo que ali é a representação de uma realidade. Você não gosta de uma realidade, num está nem aí, fica com raiva daquilo. Não é incomum e isso tem acontecido. Sei que a história é forte, não é um documentário, estamos apenas contando uma história, não tenho a intenção de doutrinar ninguém.

P – Então, como adaptar Nosso Lar e não fazer um filme doutrinário?

W – Era colocar a filosofia e a ética espirituais, que estão na história, à favor do personagem. A doutrina espírita fala da lei do trabalho – como em outras religiões. O personagem tinha que entender que, trabalho no mundo espiritual é igual ao trabalho no mundo material. Porém, as conseqüências são diferentes: você não acumula, mas você ganha méritos, crescimento interior, ganha bônus, bônus-horas. Isso é dito para André Luiz, o personagem central. Porque é aí que ele entende que, se não começar a trabalhar, com vontade, com coração aberto, o trabalho por si não render-lhe nada.

P – E, sem dúvida, esse entendimento chega ao espectador.

W – Sim. Era isso que eu queria que funcionasse: do filme para o personagem, do personagem para o público. Ao mesmo tempo, eu sei que isso pode reverberar para quem não gosta de ver e ouvir algumas questões filosóficas e éticas espirituais – e elas reagem. Mas elas não são mais importantes. Nessa hora é ver como história toca fundo às pessoas em suas emoções: saudade, reforma pessoal, vencer os seus próprios egoísmos, vaidades.

P – O André Luiz está bem definido como um homem da dúvida.
Wagner – O André Luiz era um cara que ia à igreja, mas não tinha fé, atendia de graça, mas não fazia caridade, era chefe de família e achava que era dono dela. Então, você repensar isso, num filme de época – e não podemos esquecer que o filme se passa nos anos 30 da década passada -, com todo um conceito visual e estético, é o simbolismo de uma época. As questões emocionais estão relacionadas àquele tempo.

P – A época está bem contextualizada com a ocorrência da 2ª Guerra Mundial. E gostei muito da forma breve que você a coloca: tai, pronto, não se fala mais nisso.

W – Que é uma das sequências mais legais do filme. Eu gosto muito de como a guerra ficou estabelecida.

P – O Umbral é assustador: você teve a intenção de fazê-lo realmente mexer com as pessoas?

W – Ele é assustador para algumas pessoas que reagem muito forte a ele. E é extremamente reflexivo para aquelas pessoas que perguntam: por que o André Luiz está sofrendo tanto? Isso era, inclusive, uma brincadeira nas filmagens. Nós começamos filmando o Umbral. Então tinha gente que falava assim: ‘ah meu querido, é prá cá que eu venho quando morrer… não vai ter jeito, porque eu me conheço’. Então, eu sei que essa é a área das conseqüências das ações que você faz contra si mesmo. Sem julgar essas ações, sem tentar ser indulgente, o André Luiz cometeu exageros existenciais e emocionais, e isso compõe uma personalidade. Era muito fácil: olha toma todas, coma tudo, igual a suicídio inconsciente. Não é verdade. O suicídio inconsciente, e o livro explica, é cometido por egoísmos, por doenças de si mesmo, vaidades, percepções erradas da vida. E essa história propõe a mudança, a quebra desse paradigma. Por isso ela é muito poderosa. Isso mexeu comigo, quando li o livro lá pro meus 14, 15 anos. E eu acredito claramente que isso também mexe com as pessoas.

P – Nosso Lar retrata bem conceitos como suicídio inconsciente, a lei da ação e da reação, o do despojamento para o alcance dos avanços espirituais. Esse é o diferencial dele em relação aos outros filmes do gênero feitos no Brasil ou apenas os complementa?
W – Complementa. Nosso Lar é feito para pessoas que acreditam e para aqueles que não acreditam em um mundo espiritual. Bezerra de Meneses e Chico Xavier são cinebiografias. Eles respeitam o gênero das cinebiografias.

P – Mas de certa forma, Nosso Lar é também uma cinebiografia…


W – Ah! É…

P – Te peguei…

W – É. Para quem quiser acreditar é uma cinebiografia… Taí, gostei.

P – O filme transmite emoção: como é trabalhar a emoção num filme desses sem cair no pieguismo?

W – Difícil viu, muito difícil. E espero que tenhamos acertado em não ser piegas. Ninguém, até agora, o rotulou de piegas. Pode ser que saia, mas pelo que sei, até agora não. O filme está num limite de emoção que foi muito bem construído, dentro do conflito do personagem: saudade e transformação, saudade e reforma íntima. Então quando André está ali, olhando a família, olhando que ele não mais vive naquele mundo, essa saudade reverbera tanta coisa, né?, tipo aprender a deixar para trás, aprender a aceitar a verdade da vida.

P – Eu diria, despojar-se…

W – Sim, despojar-se, desapegar-se. Já me falaram que é um filme de desapego – eu concordo também, mas não se é só um filme de desapego. Mas acredito que isso está presente na condição humana, então, no momento em que as pessoas se identificam, é o momento em que devemos parar de forçar emocionalmente porque tem muita gente que chora no filme, por exemplo, quando o cachorro vem reencontrar André, anos depois. E as pessoas são sensíveis aos animais, tem gente desaba de chorar quando a Chica Xavier vem se despedir dele, porque é o ponto de vista de quem está encarnado se despedindo de um desencarnado…

P – Você foi especialmente feliz quando, sutilmente, já na primeira cena em que ela cruza com o espírito dele, fazer o espectador entender que ela o viu. É emocionante, especialmente para quem é espírita e mediúnico.

W – É. Exatamente. Mas tem que ser sutil, porque se você força muito a barra, o espectador diz, ‘ih, esse cara está querendo me convencer…’ E tai um bom momento para te responder, que eu nenhum momento quero convencer o espectador de nada. Nem da filosofia, nem da ética, nem da história que está sendo contada.

P – O que me agradou muito no filme foi o desfecho. Você o diferenciou do livro e deu vida própria ao filme, fecha nele mesmo, fazendo referência a Chico e não deixa explícita uma passagem para Os Mensageiros, o livro sequência. Foi essa mesma a sua intenção?

W – É essa mesma. O filme conta um pouco da história do livro, como o livro começou. Achei legal descobrir isso no roteiro. Segundo os dados da Federação Espírita Brasileira, quando o André Luiz recém chega ao Nosso Lar, ali por volta de 1938, 39, pouco antes de começar a guerra, o Emanuel estava preparando tudo ao longo de dois mil anos. E ele passa a editar para o Chico ao longo da década de 30. André Luiz passa a editar para o Chico, na década seguinte. Eu coloquei isso no roteiro, mas não sabia disso. Então, o filme traz esse “entorno” do livro. Então, o filme se completa, se fecha, mas aí bota um pé na realidade, lá no finalzinho: esse cara trabalhou com Chico Xavier. Foi um fecho bacana.

P– E vem aí Os Mensageiros?

W – Eu já tenho os direitos de Os Mensageiros. E tudo dando certo, eu vou fazer.

P – Tudo vai dar certo.

W – É, espero. Mas vou fazer sim.

Um comentário:

GERALDO VALINTIM disse...

Eu vi o filme ontem no UCI Iguatemi-Fortaleza, me deixou anestesiado , gostei da sutileza de como foi tratado o tema e como já tinha lido o livro” muitas vezes “ foi de certa forma uma nova descoberta, mantendo a essência moral com uma sutileza que só o universo cinematográfico nos proporciona.Trilha de tirar o fôlego e um gostinho de que vem continuação...porque o final deixou essa impressão. Parabéns Wagner e equipe pela belíssima produção.