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segunda-feira, 11 de abril de 2011
Bem perto de Chico
(FOTO IANA SOARES) (FOTO IANA SOARES)
A mineira Célia Diniz tem como missão divulgar a fé espírita, depois da morte de dois filhos. Sua história de vida inspirou um dos personagens do filme As Mães de Chico Xavier
Célia Diniz é mãe de três filhos, mas dois deles vivem agora em outro plano. O caçula partiu aos 3 anos. Mariana foi em 2006, aos 26. Os dois se comunicaram por meio de mensagens psicografadas, um afago no coração da mãe. Rangel deu notícias pela primeira vez através de Chico Xavier, de quem Célia foi amiga. Também nascida em São Leopoldo (MG), cidade natal de Chico, os pais dela fundaram com ele o Centro Espírita Luiz Gonzaga, onde Célia trabalha até hoje. A história dessa comunicação é uma das contadas pelo filme As Mães de Chico Xavier.
O histórico de perdas pode sugerir uma mulher marcada pela tristeza da falta dos filhos queridos, mas Célia é pura energia e uma companhia leve. Bem humorada, não foge às perguntas e cumpre a bateria de entrevistas como uma missão. Ela quer levar o consolo da Doutrina Espírita e sua certeza na continuidade da vida para outras mães que sofreram a perda de um filho. Ela esteve em Fortaleza para a pré-estreia de As Mâes de Chico Xavier, no dia 31 de março, vinda de São Paulo, onde também compareceu à pré-estreia do filme. A passagem por aqui não durou nem 24 horas, mas Célia arrumou um tempo para conversar com O POVO.
Célia Diniz tem gosto de discorrer sobre as leis que regem a vida segundo o espiritismo. Não perde nenhuma oportunidade. Falar dos filhos não é mais um sofrimento para ela, é agora é maneira de ajudar outras mães e de propagar sua fé espírita.
O POVO - Estamos chegando ao fim do centenário de Chico Xavier. O que a senhora acha que vai ficar dessas homenagens?
Célia Diniz - Foi um ano muito intenso. O Brasil teve a oportunidade de conhecer a figura do grande humanista que foi Chico Xavier. Digo humanista porque ele transpôs as barreiras do sectarismo religioso se mostrando como uma pessoa humana maravilhosa. Acho que nada vai ser como antes porque o preconceito contra o espiritismo está caindo. Continua caindo o medo sobre os fenômenos mediúnicos espirituais e o espiritismo continua tendo possibilidades de se mostrar mais como é. Por esse motivo Chico nos perdoa tanta homenagem. Isso fere totalmente a humildade dele, o desejo dele de se apagar, porque no espiritismo a gente aprende que quando o trabalhador aparece muito, a obra desaparece. Ele vai nos perdoar por ter o colocado tão em pauta porque sabe que o nosso objetivo era mostrar através de sua vida que é possível ser bom, que o Evangelho de Jesus não é uma utopia, é possível segui-lo. Nosso objetivo não é que todos sejam espíritas. Não há nenhum sentimento de proselitismo nas nossas atitudes, mas a doutrina espírita é tão consoladora que a gente quer levar esse consolo. Que as pessoas sigam nas suas próprias religiões, mas conheçam a realidade do plano espiritual, que a vida continua.
OP - A intenção não é que as pessoas se tornem espíritas, mas ao mesmo tempo em que o espiritismo se torna popular, não se corre o risco de se ter o espiritismo como um consolo imediato?
Célia - Quando estamos sofrendo, temos um imediatismo quase instintivo. As pessoas chegam à casa espírita relatando fenômenos mediúnicos, quadros de depressão, problemas. Cada casa espírita tem alguém para acolher essas pessoas e a gente percebe que todos querem uma solução milagrosa, instantânea. Às vezes até se decepcionam porque não há. A proposta maior da doutrina é a reforma íntima. Você tem que reestruturar seus valores, buscar Jesus realmente, colocá-lo dentro de você. Isso é um processo longo. É essa busca que vai curar as doenças que, na grande maioria, são psicopatológicas, vêm das nossas emoções. A gente demora semanas, meses para entrar num processo depressivo, por exemplo, e não é com um passe, uma água fluidificada ou uma leitura do Evangelho que você vai se curar.
OP - Depois de ver o filme, vão correr milhares de mães nas casas espíritas para tentar essa comunicação com os filhos, mas o espiritismo também não é só isso...
Célia - Muitas mães vão conseguir. Mas o que a gente aconselha é o mesmo que aconselhava Kardec: tem que ter critério para avaliar essa mensagem. Para vocês terem uma ideia, Chico Xavier foi autorizado a começar esse intercâmbio dos familiares conosco por seu guia espiritual, Emmanuel, 40 anos depois de iniciar o exercício de sua mediunidade. Mesmo sendo dotado da chamada psicografia mecânica, Chico precisou de 40 anos de prática mediúnica para que pudesse dar inteira passividade ao espírito comunicante. A mente de Chico não interferia em nada e o espírito podia se mostrar com todas as suas peculiaridades, sua individualidade e ser reconhecido por isso. A autenticidade das cartas-mensagens dos nossos filhos era indiscutível. As mães que forem procurar um médium de psicografia devem se perguntar: reconheço meu filho aqui? Meu filho tinha o hábito de usar essa expressão? Tem nomes de algum familiar que ele encontrou do lado de lá? Tem algum apelido que o médium desconhecia? Porque, infelizmente, nas casas espíritas pode ter um médium cheio de boa vontade escrevendo “seu filho está bem, foi recolhido por familiares amigos”, o que serve para todo mundo. Consola, mas a mãe tem dificuldade de reconhecer seu filho ali. A capacidade de captar a essência do espírito comunicante varia de um médium para outro. O experiente vai captar exatamente o que o espírito disse, o menos experiente vai captar 10% só, 20%. Chico Xavier captava 100%. Os outros estão enganando? Não. Só não estão conseguindo captar totalmente aquela presença espiritual.
OP - A senhora recebeu mensagens dos filhos que partiram. A senhora buscou essas mensagens?
Célia - O telefone toca de lá pra cá. Como mãe e como estudiosa da doutrina, jamais evocaria meu filho para vir me dar notícia. No espiritismo não se evoca espíritos. Mas, se você está numa reunião onde há um médium, é provável que venha alguma mensagem. Nas vezes em que recebi mensagens, me surpreendi porque não estava pedindo.
OP - Mas a senhora estava ansiosa por isso?
Célia - Dizer que uma mãe não está ansiosa de saber como o filho morto continua vivendo é mentira. Estava, sim, querendo saber como eles estavam, mas não pedia isso. Pelo contrário, orava muito por eles dizendo: “Filhinhos, está tudo bem aqui, não se preocupem comigo”.
OP - As pessoas esperam que o espírita lide melhor com a morte, mas ainda é o maior desafio?
Célia - Minha cidade é pequena, todos sabem que sou espírita. Nas minhas duas perdas, as pessoas tentavam me consolar assim: “Ainda bem que você é espírita, né!?”, supondo que não doa. E dói. Choramos e sofremos, mas é diferente porque a gente sofre com compreensão de causa. Sabemos que, naquela perda, há um sentido, um plano de Deus para todos nós e isso nos ajuda a passar pelo luto. Essa compreensão leva à resignação. O mesmo amor que nos faz sofrer pela ausência dos filhos é o amor que nos conforta a não desesperar porque sabemos que a ligação entre nós e eles é tão forte que pode atrapalhar a adaptação deles no mundo espiritual. Essa compreensão também dá força para controlar nosso egoísmo e libertá-los.
OP - Suas dores acabaram se tornando públicas. Como a senhora controla a emoção sempre remexendo isso?
Célia - Essa dor, a ausência dos nossos filhos, não precisa “de remexer” não. É uma realidade nossa. No momento que meu filho se foi, em 83, passou a fazer parte de mim. Nada muda isso. Agora, as pessoas reagem diferente na perda. Meu marido, por exemplo, prefere não falar nisso. É a maneira dele. Eu, pela vontade que sinto de mostrar para outras mães que é possível superar a dor, que a gente não morre junto, pela vontade que tenho de mostrar para as mães um pouco dessas leis que regem a vida, agora falo nisso de uma maneira quase natural, depois de falar tantas vezes. Não veja nisso um masoquismo meu. Falo nisso apenas quando estou sendo entrevistada ou quando outras mães me procuram.
OP - Sua mãe perdeu oito filhos. A senhora contou que um dos conselhos que ela lhe deu foi segurar na mão de Nossa Senhora...
Célia - O meu filhinho, dentro do caixão, a dor era tão grande que esmagava meu peito, apertava minha garganta... Essa dor é física e minha mãe do meu lado, sofrendo duplamente. Eu falei: “Mãe, como que a senhora aguentou isso oito vezes?”. Ela disse: “Confia em Nossa Senhora, minha filha, segura na mão de Nossa Senhora”. Aprendi primeiro com a minha mãe que a dor da partida de um filho é superável porque conheci a minha mãe, vi o tanto que era uma mulher alegre e produtiva. Porque tinha outros filhos, ela precisava ser forte para que nós todos não sucumbíssemos com ela. E esse exemplo ficou em mim. Quando meu filhinho se foi, eu tinha a Mariana, de 4 anos e meio, e Aguinaldinho, de 6 anos. Eu não podia morrer junto com meu filho e deixar os outros sem mãe. Deixar meu marido sem esposa, meus alunos sem professora. Tinha que me reestruturar para dar conta disso. Aprendi, em 2006, porque Moisés mandou amar a Deus acima de todas as coisas. Por que amar a Deus, que eu não compreendo direito o que seja, mais que a meu filho, meu marido, meu pai e meu amigo? Quando minha filha de 27 anos se foi, ela estava em plena construção da vida material. Estava noiva, bem no emprego. Ela se vai e eu precisava soltá-la porque meu amor a prenderia no plano terrestre, sofrendo junto comigo. Aí compreendi porque tinha que amar a Deus sobre todas as coisas, porque só amando a Deus você consegue entregar seu filho de volta para ele sem apego.
OP - A senhora conseguiu compreender quem é Deus?
Célia - Consegui compreender a necessidade que tinha de amá-lo acima de todas as coisas. Ainda não compreendo Deus totalmente. Sei que Deus é a causa primeira de todas as coisas, a inteligência suprema do universo. Sei que Ele não é antropomórfico, não tem desejos, ódios e paixões humanas. Sei que Deus é imutável, por isso não fica triste com a gente, não castiga a gente. Sei que Ele nos dá a liberdade e nós que buscamos as colheitas desagradáveis. Sei que Ele nos ama e a gente não consegue entender o amor de Deus para conosco. A gente não se reconhece como herdeiro de Deus porque não conseguimos ver o próximo como nosso irmão. É muito fácil a gente amar o filho que chega. O verdadeiro amor, você aprende quando o devolve de volta para Deus. É aquele amor que você sabe que seu filho vai estar melhor com Deus do que com você, do seu lado, e deixa que ele vá.
OP - O que foi lhe dando essa compreensão? A doutrina espírita, o catolicismo, como você conseguiu chegar até aqui?
Célia - Respeito profundamente o catolicismo e aprendi isso com Chico Xavier. Um dia, ele me disse: “Minha filha, nunca poderemos esquecer que foi a Igreja Católica que segurou a mensagem de Jesus Cristo durante 18 séculos para que nós, espíritas, a encontrássemos intacta”. Nunca fui católica nessa existência, mas aprendi a respeitar a Igreja Católica e sua doutrina. Estudei a Bíblia na minha religião. É a mesma Bíblia. A compreensão que tenho disto, eu aprendi no Evangelho no lar que meu pai fazia com a gente uma vez por semana. Aprendi na doutrina espírita, no meu estudo, com Chico Xavier que era o Evangelho vivo.
OP - O Espiritismo é muito forte no Brasil. Qual a explicação?
Célia - O Alan Kardec veio com a missão de decodificar a doutrina na França. Deveria ter se sedimentado lá. Só que, 50 e poucos anos depois, renasce, no Brasil, um grande espírito, Francisco Cândido Xavier, com a missão de mostrar que é possível seguir o Evangelho. Chico Xavier mostra o amor em ação e joga sobre ele os holofotes da doutrina, se tornando o primeiro a conseguir projetar-se dentro da seara espírita e fazendo surgir um grande número de seguidores. Há uma parte dos livros de Chico que complementa Kardec. A literatura de Chico é que vai levar o espiritismo a começar a crescer em outros países. Outra coisa, o Brasil é um país de terceiro mundo, o desnível social nos faz vivenciar a bandeira máxima da doutrina que é “fora da caridade não há salvação”, compreendendo caridade não só como beneficência material. A caridade como um todo, com o próximo, com as diferenças. E no Terceiro Mundo há necessidade da beneficência material propriamente dita. O Brasil é um país pacífico, que tem a missão de resgatar o cristianismo primitivo. O povo brasileiro é altamente solidário, receptivo, caloroso, e isso faz parte da nossa missão. O próprio sincretismo religioso que nos caracteriza nos faz uma nação tão solidária, fraterna e calorosa. O futuro já é. Isso ainda não se refletiu em termos financeiros, enquanto potência mundial. O Brasil será uma potência espiritual. Já estão saindo brasileiros daqui e indo para o mundo levar essa mensagem consoladora que a vida continua, que a morte não existe.
Mariana Toniatti
marianatoniatti@opovo.com.br
Ana Mary C. Cavalcante
anamary@opovo.com.br
fonte|: http://www.opovo.com.br/app/opovo/paginasazuis/2011/04/11/noticiapaginasazuisjornal,2124111/bem-perto-de-chico.shtml
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