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quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Nosso Lar, a República de Chico Xavier (Crítica ao Filme Nosso Lar)


Quando pensamos no paraíso mítico de algumas religiões, rapidamente temos uma visão idealizada, de um mundo fora do mundo. Os desejos não realizados numa sociedade historicamente constituída são transportados para um novo topos, como igualdade e respeito mútuo, bem como a eliminação da fome, solidão e exclusão. E Nosso Lar, a república elaborada por Chico Xavier, é o exemplo espírita mais comum.

A república xavieriana possui, como em outras religiões, natureza teocrática. No filme temos a emblemática figura do governador, interpretado por Othon Bastos. Um mundo de elevada estatura moral, que recebe qualquer André Luíz que o procure, que se curva, cita passagens evangélicas e conduz seus con-cidadãos na recepção de vitmas do holocausto. O que governador dá o exemplo, segundo Emmanuel, é a representação do príncipe de Bossuet. Alguém especial, conduzido por deus para a salvação do povo, que possui todos os adjetivos necessários para sua teológica função de governar. Ele governa por vontade divina, numa nítida divisão social entre as subjetividades.

Monarquia - o governo de um só - é o sistema político adotado em Nosso Lar. Não mais Calígula ou Luís XIV, governantes imperfeitos porque terrenos, mas Anacleto, o governador sem igual porque imaterial. Uma vez mais, a dependência imanente do mágico superior, purificado, mais próximo da perfeição jesuânica. Os cidadãos de Nosso Lar não são iguais. A experiência do poder não é conferido de forma equanime: tanto poder quanto mais próximo do épice da hierarquia teológica. Bento XVI e Anacleto se igualam pela mesma justificativa.


Cena da recepção das vitmas do holocausto
 Diferentemente das repúblicas históricas, não há espaço para revoltas populares por brigas de poder em Nosso Lar. Como em Hobbes, uma parcela da liberdade individual é transferida para o monarca, que tudo pode, para o bem da república. Por outro lado, os cidadãos são contidos e regidos por um acordo popular genericamente chamado Leis Morais. A guerra de todos contra todos cede espaço por um contrato social que mantém coesão e unidade na república teocrática.

O materialismo, marca presente no sistema de Kardec, também se encontra em Nosso Lar. As necessidades históricas materiais se repetem em Xavier: tem-se necessidade de alimentação - como a do hospital -, moradia -André Luíz confidencia a Lisias sobre sua dúvida de onde morará -, transporte - ônibus movido a magnetismo. A moeda que circula é o bônus-hora: troca-se o serviço prestado entre os cidadãos. Lísias afirma que seu avô conseguiu a casa da família pós muito trabalho.

Materialismo, ceticismo e ateísmo são palavras eroneamente interpretadas, herança de um Kardec que pouco entende do que fala. Temos cura de feridas (físicas) por imposições de mãos (ato físico), sopas com sabor desagradável (para matar a fome física), magnetização da água (Kardec já falava que o fluído universal é material). Ceticismo, sistema de um Pirro, Carnéades e Hume, pouco se relaciona com a origem do sofrimento da imanência. Antes, traça um percurso epistemológico capaz de alcançar o ser em termos de probabilidade. E, finalmente, o ateísmo como motor de condução ao Umbral. Ora, é justamente o teísmo que provoca as divisões, guerras, morte, num longo processo histórico que se estende de um doce Jesus que não veio trazer a paz mas a espada, pelas Cruzadas, até os bombardeios de 11 de setembro. O ateísmo nunca produziu nenhuma morte. Chico Xavier apenas repete os erros conceituais de Rivail, que segue a genealogia iluminista Rousseau-Pestallozi-Kardec, tese que apresentarei mais tarde.

As dificuldades de Heloísa, sobrinha de Lísias, têm suas razões. O contrato social induz à virtude a todo instante, abolindo a cultura - é provável que não existam sinagogas para os judeus que chegam à república -, a liberdade - apenas se pode se com deus -, a subjetividade - vontades particulares têm pouca importância diante do bem-comum: um Marx às avessas. A luta de classes - cidadãos contra Anacleto - cede espaço para a coesão popular tendo por base justificativas teológicas. Os populares são virtuosos não por escolha, mas por imposição. Ou se nega o pretenso materialismo e ateísmo e se adere ao código de ética da república, ou se está condenado às sombras do Umbral. O bônus-hora-virtude é a barganha sempre presente: trabalha-se para a coletividade, para o bem-comum, não por escolha, mas por necessidade de socorro de uma condenação imposta por deus. Contrato social - é assim que as coisas são! -, interesse e medo são os motores de um Estado pensado por Chico Xavier.

O filme merece ser visto, senão pelos efeitos visuais, pelo menos por rir de um paraíso mítico que apenas existe na literatura espírita.

FONTE: http://portalveritas.blogspot.com/2011/12/nosso-lar-republica-de-chico-xavier.html

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