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segunda-feira, 7 de maio de 2012

Okey para a ÁREA Q

Publicado em 19/04/2012 - 22:00 por | 8 Comentários
Categorias: CRÍTICAS DE FILMES
Independente de seu mal resultado inicial nas bilheterias, Área Q é uma ficção que deve ser vista por apostar numa temática pacifista

Em toda a história do cinema brasileiro, apenas 32 filmes são catalogados como ficção científica. Mas, destes, apenas 12 podemos classificar como obras pertinentes ao gênero, já que os demais são comédias, paródias e chanchadas. De O 5º Poder (1962), de Alberto Pieralisi, que trata do efeito das mensagens subliminares em uma trama política e que considero o filme sério no gênero, passando por Brasil Ano 2000 (1969), de Walter Lima Jr., Quem é Beta? (1973), de Nelson Pereira dos Santos, Paralelo 88: o Limite de Alerta (1977), Abrigo Nuclear (1981), de Roberto Pires, a animação Cassipéia (1996), de Clóvis Vieira, até ao mais recente, Aquária (2004), de Flávia Moraes, nenhum trata de contato extraterrestre.
A primeira ficção científica brasileira a tratar do tema, O Homem das Estrelas (1970), dirigida pelo francês Jean-Daniel Pollet, acompanhava um alienígena que, com a capacidade de viajar no tempo, conhece vários personagens históricos do Brasil Colônia à década de 1970.

Área Q, co-produção brasileira-estadunidense dirigida pelo carioca radicado nos EUA Gerson Sanginitto, é, na verdade, a primeira película a tratar de contatos imediatos no cinema brasileiro, tendo como intenção chamar a atenção para as ações danosas do homem ao seu planeta. O filme de Sanginitto trafega pelos temas de dois clássicos da moderna ficção científica, O Dia em que a Terra Parou, a versão de 1951 dirigida por Herbert Wise, e de 2008, a cargo de Scott Derrickson, e Contatos Imediatos do Terceiro Grau (1977), de Steven Spielberg.
No caso das versões de O Dia em que a Terra Parou, alienígena chega à Terra com a forma humana e procura obter contato com os governantes a fim de alertá-los sobre os perigos que ameaçam o planeta e da possibilidade de interferência de seres superiores. Na obra de Wise, feita à época da guerra fria, o perigo era a ameaça de uma guerra nuclear, e, no segundo, o tema, atualizado para a época atual, passa a ser a devastação ecológica. Mas, há uma diferença vital entre o primeiro e o segundo filme.  No primeiro, se prepondera uma mensagem pacifista, no segundo, o alienígena, comportando-se como um deus, revoltado com a arrogância dos governantes, quase chega a eliminar a raça humana do planeta através de pragas que lembram aquelas proferidas pela Bíblia.

A pormenorização de cada filme, nesta análise, tem um sentido, já que Área Q traz para si todas essas abordagens das duas películas. Mas, antes que alguém pense que, com esta exposição, estamos desqualificando Área Q, a intenção é justamente oposta, porque, na verdade, identificamos na produção cearense uma condensação, harmoniosa e inteligente, das abordagens oferecidas.
No entanto, não seria correto desconhecer que Área Q tem problemas de montagem, e, principalmente, de erros de continuidade que são visíveis por qualquer tipo de espectador. Mas, todos os filmes têm erros de continuidade e, felizmente, esses são problemas menores, os quais não afetam diretamente a qualidade da obra.
Por isso, são maiores as qualidades de Área Q, no qual, ressalte-se, reside o seu principal objetivo: transmitir uma mensagem pacifista. Ou seja, o filme se apropria das características dos dois filmes estadunidenses, mas tem a inteligência de ampliá-las para além da condição humana, transportando-a para um sentido cosmológico com a inserção de um brilhante desfecho com Isaiah Washington no meio de um deserto africano.

O roteiro de Área Q, apesar dos deslizes de alguns diálogos e situações, é a sua maior virtude. Julia Câmara e Gerson Sanginitto construíram um enredo em que o cenário místico e as formações rochosas de Quixadá e Quixeramobim (mais propriamente a Pedra da Gaveta) transmitem um aspecto de segredos e mistérios quando enfocadas pela câmera de Carina Sanginitto, remetendo a uma espécie de Roswell à brasileira.
É elogiável, também, a forma como o enredo se desenvolve sem entregar a sua real intenção de “pegar” o espectador e impactá-lo. A partir da entrada do jornalista estadunidense interpretado por Isaiah Washington na “bolha cósmica” e a sua reentrada na realidade terrestre, mas na temporalmente um ano depois, a história ganha uma característica entre intrigante e fascinante, aí sim, envolvendo a plateia até o desfecho enxuto e revelador.
Área Q lembra ainda um outro filme de ficção científica, o subestimado Presságio (2008), de Alex Proyas, no qual o homem recebe mensagens de que o plan0eta passará por uma renovação e a humanidade será extinta. Diferentemente do desfecho devastador desta surpreendente obra de Proyas, Área Q segue em direção oposta, abrindo espaço para a renovação da humanidade.

Ainda no campo da ficção científica, outra qualidade é a introdução da “bolha cósmica”, raras vezes lembrada como instrumento da ficção científica, e que aqui serve como meio de “transporte” (e teletransporte) para o personagem João Batista, vivido por um ótimo Murilo Rosa. O interior da bolha mostra-se tão fascinante quanto o interior da nave mãe na reedição de Contatos Imediatos do Terceiro Grau.
Tratando com seriedade um tema difícil e sem tradição no Brasil, Área Q abre uma porta interessantíssima para a ficção científica no cinema nacional. Aposta em um desfecho reflexivo, filosófico, no qual evidencia não estarmos sós no universo. Um bom filme que deve ser conferido.
Mais informações
Área Q (Brasil, 2012), de Gerson Sanginitto. Com Isaiah Washington, Murilo Rosa, Tânia Khalil e Ricardo Conti. Califórnia. 107 minutos. 14 anos.
Veja o trailer de Área Q.

Comentários

Peterson Frank
em 20 de abril de 2012
Gostei muito da sua postagem! Os brasileiros subestimam o nosso potencial para o cinema. É bom ver alguém elogiando um filme nacional mostrando também seus defeitos. Abraço.
Pedro Martins Freire
em 20 de abril de 2012
PETERSON – muito obrigado pelo entendimento. Esse o nosso princípio. Quando faço a crítica de um filme, procuro abri-lo para o espectador, a fim de que ele possa conferir as qualidades e os defeitos da obra. Assim, ele também aprende a ver um filme. Digo aprende, porque estamos sempre aprendendo com os outros. E aprendo muito com os comentários de pessoas, como você Peterson. Obrigado por frequentar o blog e fique a vontade para fazer, também, suas críticas e sugestões. Um grande abraço, Pedro.
Célio César
em 21 de abril de 2012
Assisti ao filme, e como você mesmo afirmou, apesar de algumas deficiências é um filme que merece ser prestigiado.
Pedro Martins Freire
em 21 de abril de 2012
CÉLIO – muito bom que v. tenha visto Área Q. Um grande abraço do Pedro.
Moacir Silberschmidt
em 24 de abril de 2012
Fiquei sensibilizado com esta crítica. Já li muito sobre Área Q, ouvi entrevistas, reportagens. Alguns críticos simplesmente se apegaram a falhas, deixando no ar a ideia de que o filme não merece ser visto. Você, Pedro, ao contrário, reforçou em mim o desejo de ver e interpretar por mim mesmo o trabalho destes profissionais que conseguiram produzir um filme de ficção (gênero que gosto muito) com conteúdo. Área Q, por sua história e mensagem, é um filme que deve entrar para a história do cinema brasileiro e mundial. Mais uma vez, parabéns, Pedro Martins Freire, por fazer suas críticas pertinentes sem necessariamente se colocar como o dono da verdade. Ganhou mais um fã!
Pedro Martins Freire
em 25 de abril de 2012
MOACIR – obrigado por sua generosidade e palavras acolhedoras. Recomendo que você veja A Perseguição, de Joe Carnahan, outro filme que nos toca com profundidade e gera reflexões. Grande abraço, Pedro
Marcos Nascimento
em 25 de abril de 2012
Vi o filme,gostei da abordagem.É bom ver minha terra natal nas telonas. Vamos lá gente, vamos prestigiar este fime.
Pedro Martins Freire
em 25 de abril de 2012
É isso aí Marcos. Vale o incentivo. Grande abraço, Pedro.

FONTE: http://blogs.diariodonordeste.com.br/blogdecinema/criticas-de-filmes/okey-para-a-area-q/

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