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terça-feira, 25 de agosto de 2009

-- > INQUIETO CORAÇÃO - Santo Agostinho


Fui ao Theatro José de Alencar no último dia da VII Mostra de Teatro Transcendental de Fortaleza (22/08/2009), com alguns amigos, assistir ao monólogo "Inquieto coração", baseado nas obras de Santo Agostinho.
Peça muito interessante, com passagens bem escolhidas, cenário bem produzido, com algumas surpresas e efeitos. A partir de muita simplicidade (havia alguns cubos de acrílico espalhados no palco contendo o primeiro uma pedra, outro água, outro ainda uma pêra e um último areia), cada cubo se destacava em um determinado momento através de iluminação direta e do posicionamento e interação do ator.
Diante de pensamentos tão ricos, perdoem-me, uma idéia muito simples ficou em meu coração:

De que adianta um armário cheio se estiver sempre fechado?

Essa questão é muito interessante porque hoje, mais do que nunca, precisamos "abrir nossos armários". A vida atual não permite que um ou outro detenha o conhecimento e, dessa forma, o poder. Se não houver troca, partilha, interação, aquela pessoa que acha que sabe (ou que parece ter o "armário cheio"), na verdade, nada sabe ou nada tem. Para que fique, não apenas o abstrato, faz-se necessário que haja muita troca boa, positiva, diálogada e que nos proponhamos a aprender e ensinar aos jovens em formação, porque no mundo há trocas muito ruins e perigosas também. Dos armários podem sair preciosidades, mas também um montão de lixo ou coisas piores.

Fraterno abraço,
Geraldo Valintim
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SINOPSE DO ESPETÁCULO
A repulsa ao sexo e a paixão por Deus permeiam a obra autobiográfica Confissões, pilar fundamental do pensamento de Aurélio Agostinho (354-430), ao lado de Santo Tomás de Aquino um dos maiores pensadores do cristianismo.
E é justamente o desassossego contido em Confissões o cerne do espetáculo Coração Inquieto, com direção direção de Henrique Tavares, que teve temporada no Rio com enorme repercussão.
A peça fala fundamentalmente da dor indissociável às paixões. Santo Agostinho é focado no crepúsculo de sua vida, aos 77 anos, rememorando sua adolescência profana, e revendo seu amor por Floria, a mulher com quem viveu por 12 anos e que teve seu único filho.
Mas o grande desafio fica para a ator, que deve traduzir a desproporção emotiva gerada pelas noções de culpa e deleite, pecado e sofrimento. O ator mergulha em personagens que não suportam as emoções que carregam, traduzindo esse sentimento com um belo trabalho físico que chega ao público e emociona. ______________________________________________________


EM BUSCA DA LIBERTAÇÃO FINAL
Santo Agostinho e a Filosofia


Aurélio Agostinho nasceu em Tagasta, uma cidade da Numídia (norte da África, região conhecida como África Branca), de uma família burguesa, a 13 de novembro do ano 354. Seu pai, chamado Patrício, era pagão, mas recebeu o batismo pouco antes de morrer. Sua mãe, Mônica, pelo contrário, era uma cristã fervorosa. Mas Agostinho cresceu sob fortes influências romanas, tanto na língua quanto no aspecto cultural e também no religioso. Aos 17 anos de idade foi para Cartago, a fim de aperfeiçoar seus estudos em Direito, - se encantou, entretanto, com a Literatura, e acabou se formando na arte da palavra.

Cartago era originariamente uma colônia fenícia situada na Tunísia. Foi uma potência na Antiguidade, disputando com Roma o controle do Mar Mediterrâneo. Foi destruída depois das três Guerras Púnicas (149 aC – 146 aC), mas em aproximadamente um século antes de Cristo, Caio Júlio César e Otávio Augusto a reconstruíram como colônia de Roma. Cartago alcançou novamente uma grande prosperidade, e sua população cresceu a ponto de se tornar a quarta maior cidade do Império Romano. Foi nessa grande e pulsante metrópole multicultural que Agostinho viveu, estudou e lecionou até seus 29 anos de idade, - um longo período em que conheceu e desfrutou, sem medidas, dos prazeres da carne; - desviando-se moralmente, segundo suas próprias palavras, e caindo numa profunda sensualidade, - esta que é “uma das maiores consequências do pecado original”. - Tal sensualidade dominou-o quase por completo, fazendo-o mergulhar num turbilhão de prazeres que o entorpeceram moral e intelectualmente, e fazendo com que aderisse ao maniqueísmo.

O maniqueísmo representa uma linha de pensamento estruturalmente dualista: atribui realidade substancial tanto ao Bem quanto ao Mal. Agostinho buscava encontrar, no dualismo maniqueu, a solução do ancestral problema do mal e do sofrimento no mundo. Por consequência, buscava uma justificação para sua própria vida.

Quando terminou seus estudos, Agostinho abriu uma escola em Cartago, de onde partiu para Roma e, em seguida, para Milão. Afastou-se definitivamente do ensino aos 32 anos de idade, por razões de saúde, - mas, principalmente, por razões de ordem espiritual.

Depois de um bom espaço de tempo, – de muito estudo, questionamento, reflexão crítica e meditação, – Agostinho abandonou o maniqueísmo, abraçando a filosofia neoplatônica, onde aprendeu os conceitos da espiritualidade de Deus e da negatividade do Mal. Assim ele chegou, por suas próprias forças, a uma concepção cristã da vida, isso no começo do ano 386. Entretanto sua compreensão ainda era apenas filosófica. – Fica a impressão de que a mente estivesse convencida, mas não o coração. Declara ele que, então, ainda se encontrava dominado pela luxúria.

Finalmente, como por uma fulguração dos Céus, sobreveio a conversão de Agostinho, moral, irrestrita e absoluta, em setembro do ano 386. Ele renuncia inteiramente ao mundo, à carreira e ao matrimônio; retira-se durante meses para a solidão e o recolhimento do mundo, em companhia apenas de sua mãe, do filho e de alguns pupilos. Em meditação, agastado de tudo (numa região próxima à Milão), escreveu seus magistrais Diálogos Filosóficos, e, na Páscoa do ano 387, juntamente com o filho Adeodato e o amigo Alípio, recebeu o batismo cristão, das mãos de Santo Ambrósio, cuja doutrina e eloquência parecem ter representado parte importante no seu processo de conversão. Tinha Agostinho, então, trinta e três anos de idade...

Depois de sua impressionante conversão, Agostinho abandonou Milão, e, falecida sua mãe, voltou para Tagasta. Ali vendeu todos os seus haveres e distribuiu o dinheiro entre os pobres; a seguir fundou um mosteiro, em uma das suas propriedades alienadas. Foi ordenado padre em 391, e consagrado bispo em 395.

Após a sua conversão, Agostinho dedicou-se inteiramente ao estudo das Sagradas Escrituras, da Teologia Revelada, e da redação de suas grandes obras, entre as quais se destacam as filosóficas. As obras de Agostinho de maior interesse filosófico são, sobretudo, os Diálogos Filosóficos: ‘Contra os Acadêmicos’, ‘Da Vida Beata’, ‘Os Solilóquios’, ‘Sobre a Imortalidade da Alma’, ‘Sobre a Quantidade da Alma’, ‘Sobre o Mestre’, ‘Sobre a Música’. Interessam também à filosofia os escritos contra os maniqueus: ‘Sobre os Costumes’, ‘Do Livre Arbítrio’, ‘Sobre as Duas Almas’, ‘Da Natureza do Bem’.

Dada, porém, a mentalidade agostiniana, em que a filosofia e a teologia andam juntas, compreende-se que interessam à filosofia também suas obras teológicas e religiosas, especialmente ‘Da Verdadeira Religião’, ‘As Confissões’, ‘A Cidade de Deus’, ‘Da Trindade’, ‘Da Mentira’, ‘O Pensamento’, ‘A Gnosiologia’.

Agostinho governou a igreja de Hipona até sua morte, que se deu durante o assédio da cidade pelos vândalos, a 28 de agosto de 430. Tinha setenta e cinco anos de idade.

Este brevíssimo (insípido mas necessário) resumo da vida de Santo Agostinho tem a finalidade de servir como pano de fundo para que possamos entrar com maior propriedade na matéria que mais nos interessa neste momento.

Santo Agostinho afirma que há apenas uma Justiça, aquela vinda de Deus. Um das questões mais interessantes colocadas por Agostinho, no entanto, é o porquê da injustiça. Se Deus é o Criador de todas as coisas, e se sua bondade é infinita, porque há maldade e injustiça no mundo?

Veja-se que para Agostinho existe apenas um Deus, o Sumo Bem, Criador de todas as coisas. Se tudo que existe foi criado por Deus, não há possibilidade de atribuir a origem do mal ao diabo, por exemplo.

Então, de onde vem o mal que praticamos? Esta questão é respondida por Agostinho no seu livro De Libero Arbitrio, onde ele defende a tese de que a origem do mal está no livre arbítrio, ou seja, para Agostinho o mal é resultado do mal uso de nossas vontades.

Deus fez o homem uma criatura superior, à qual concedeu o dom da razão. Esse privilégio permito ao homem conhecer a maravilhosa Ordem que o Criador instituiu no Universo. Porém, por ser racional, o homem pode escolher livremente entre aceitar a ordem divina contribuindo para a Harmonia do Universo, ou transgredir essa ordem, cultivando a maldade e a injustiça. Para Agostinho, portanto, ser justo é agir de forma a manter a Harmonia designada por Deus.

Por que existem o mal e o sofrimento no mundo? Quais as causas da infelicidade? – Indagações irmãs da maior questão de todas: Qual o sentido da vida?

Qual o sentido da vida? Evidente que essa indagação não existe, ou fica muito distante, quando a vida nos parece fazer sentido. Para os que podem gozar dos prazeres da vida, ter a alegre contemplação das belezas do mundo, apreciar o dom de amar e ser amado ou desfrutar de pelo menos algumas das muitas e multifacetadas manifestações da Graça divina, esses questionamentos soam quase que completamente sem sentido. Ao contrário, só perguntamos se a vida faz sentido quando somos tomados de assalto pela infelicidade, quando nos damos conta das terríveis gravidades que nos tentam fazer submergir na lama do mundo. Quando a sombra da desgraça nos envolve e asfixia, aí sim, as antigas perguntas ressurgem, absolutas. Nesses momentos, toda filosofia é triste.

Segundo a filosofia, o pensamento nasce do espanto, e sem o problema e os problemas do sentido da vida, - ou da terrível aparente falta de sentido da vida, - não haveria pensamento filosófico. O espanto causador das reflexões filosóficas é o medo do absurdo, ou da angústia. O homem é confrontado com o absurdo, o qual reconhece como algo que não merece e não deve ser preservado, mas, ao contrário, que é preciso combatê-lo. E em tudo que causa repulsa, isto é, tudo que existe e cuja existência é considerada imprópria, também falta sentido.

O absurdo em que consiste o mal (ou esse mal em que consiste o absurdo), manifesta-se na vivência da dor inútil, - seja natural ou infligida, - e também no fato incontestável de que somos suscetíveis a essas experiências. Resta o dilacerante sentimento de que não é bom que seja assim, não está certo, não deveria ser... Mas é.

Quando a felicidade se faz presente, nós a aproveitamos. Quando se faz ausente, perguntamos: por quê? A bem-aventurança não provoca a razão, assim como a saúde não se percebe até que a doença se faça presente. A felicidade é um bem. – Parece-nos o único sentido possível da vida. A desgraça, ao contrário, é algo que se sente como algo que nos priva do real sentido da vida, um problema que precisa ser resolvido, eliminado, dirimido; - um estorvo que deve ser extirpado para que a paz, a justiça, a ordem e a lógica sejam restauradas.

Sendo o que não deveria ser, a existência inquestionável do mal é a indesejada presença da irracionalidade e do caos na experiência cotidiana de cada homem que a padece.

“O Mal não é simplesmente a falta de ser, mas o ser da Falta.”Santo Agostinho

Se o que move a filosofia é a conjectura da possibilidade de não haver sentido na vida, e ainda a necessidade inexorável do pensamento de descobrir esse sentido a todo custo, e mesmo de criá-lo, se preciso for, também a religião é movida pela ameaça do absurdo e pela carência de sentido, oferecendo respostas metafísicas, e tantas vezes dogmáticas, aos problemas, tão mais propriamente filosóficos quanto mais existenciais, provocados no confronto que vemos em nosso cotidiano, da realidade que se apresenta, quase sempre, terrivelmente repleta de contradições.[1] - A religião e a filosofia são, nesse sentido, filhas do mesmo espanto!
FONTE: http://artedartes.blogspot.com/2009/08/em-busca-da-libertacao-final-9_19.html
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FICHA TÉCNICA:

Dramaturgia e Atuação: Eduardo Rieche
Direção: Henrique Tavares
Cenário: Doris Rollemberg
Iluminação: Renato Machado
Projeto Gráfico: Batman Zavareze

Inquieto Coração é um mergulho nas reflexões de Santo Agostinho sobre diversos temas ligados ao ser humano, como a natureza do amor, a busca da verdade e o conhecimento de Deus.

Eduardo Rieche adaptou quatro textos de Santo Agostinho para a elaboração da peça: Confissões, A Cidade de Deus, A Trindade e Solilóquios. A montagem faz com que o autor fique próximo ao público e divida suas aflições com a platéia de maneira cúmplice e íntima.

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